INTRODUÇÃO FISIOLOGIA RESPIRATÓRIA
Para o aparecimento dos organismos multicelulares foi
crucial o desenvolvimento da capacidade de levar oxigênio e trazer o seu metabólito, dióxido de carbono, a todas as células do organismo. Foi no sentido
de providenciar uma oxigenação adequada de todas as células, independentemente
do tamanho do organismo, que evoluíram os sistemas respiratório e circulatório.
ESTRUTURA E FUNÇÃO DO
SISTEMA RESPIRATÓRIO
Ventilação vs
Respiração
Ventilação:
Entende-se por ventilação o processo automático e rítmico
que gera movimentos de entrada e saída de ar nas Unidades Respiratórias
Terminais (vide infra).É regulado a nível central e depende da contracção e
relaxamento de vários músculos: diafragma, músculos da grade costal e caixa
torácica e músculos abdominais. Este processo permite a absorção de O2 e a
remoção de CO2, pelo organismo, e é, por isso, designado respiração externa por
muitos autores.
Respiração:
É um processo mais global, que inclui a ventilação e culmina
na oxidação de metabolitos, com produção de energia útil para os seres vivos
(respiração interna). Os animais de maior porte usam dois aparelhos para este
fim: o sistema circulatório e o respiratório (transporte e troca de gases,
respectivamente). O sistema respiratório pode subdividir-se num orgão trocador
de gases, o pulmão, e numa bomba que vai aumentando e diminuindo as dimensões
da caixa torácica, constituída pela grade costal e músculos respiratórios. A
sua principal função é a distribuição adequada do ar inspirado e do fluxo sanguíneo
pulmonar, por forma a que as trocas gasosas se realizem com um mínimo de
consumo energético.
Ventilação vs
Perfusão:
A ventilação pode equacionar-se como o volume de gás
disponível para trocas, ou em equação:
Ventilação = frequência * profundidade dos movimentos
respiratórios
A eficácia das trocas pode avaliar-se pelas diferenças de
concentrações de O2 e CO2
entre ar inspirado e
expirado.
O fluxo sanguíneo pulmonar é um factor tão importante como a
ventilação para a eficácia das trocas gasosas. A perfusão corresponde ao fluxo
sanguíneo pulmonar. Mais uma vez, em equação:
Perfusão = frequência
cardíaca * volume de ejecção do VD.
A eficácia das trocas é avaliável pelas diferenças de
concentração dos gases entre o sangue das artérias e veias pulmonares.
No global, a eficácia
das trocas respiratórias é algo mais que o mero somatório das anteriores:
depende de um acoplamento entre os dois factores em cada zona do pulmão.
A regulação é feita através de mecanismos complexos centrais
e locais. Os sistemas que modulam a eficácia da ventilação, perfusão e
acoplamento de ambas podem ser subdivididos em mecanismos externos
(neurohumorais) e internos (distensibilidade das unidades respiratórias
terminais, resistência aos fluxos aéreo e sanguíneo).
Ventilação Total e
Ventilação Alveolar
A ventilação total é o volume de ar que entra ou sai das
vias aéreas a cada movimento respiratório ou num minuto. Pode ser avaliado por
espirometria. Em repouso, o volume mobilizado, em cada ciclo ventilatório, designa-se
por volume corrente (média no adulto: 500mL). Varia com a idade, sexo, posição
corporal e actividade metabólica. Para um volume corrente de 500mL e uma
frequência respiratória normal de 12
a 15/minuto, a ventilação total, é de 6 a 8L/min.
Num esforço
ventilatório máximo, a ventilação total designa-se por capacidade vital.
A ventilação alveolar corresponde ao volume de ar renovado
que chega aos alvéolos a cada ventilação ou a cada minuto, e que participa
efectivamente nas trocas gasosas. Pode considerar-se que a ventilação alveolar
é a parte da ventilação total obtida após a exclusão do espaço morto anatómico.
PROPRIEDADES
MECÂNICAS DA RESPIRAÇÃO
Propriedades
Estáticas
Para estudar a mecânica respiratória, é fundamental conhecer
as propriedades dos pulmões e caixa torácica, enquanto entidades passivas. Para
este efeito, são ideais as situações de ventilação mecânica e paralisia
muscular. Todavia, este estudo não se aplica de forma linear à respiração
normal; nesta, os músculos respiratórios só não estão contraídos no instante
final da expiração.
Distensibilidade
Pulmonar:
A complacência e a elastância são duas formas de avaliação
da distensibilidade pulmonar. A elastância (E), corresponde à resistência de um
objecto à deformação por forças estranhas; é o oposto conceptual da
complacência (C). A
complacência pulmonar (C) corresponde à facilidade com que
os pulmões acomodam volumes de ar (∆Vpulmonar). Estas variáveis são
determinadas nas curvas de pressão-volume; a complacência é o declive das
curvas de pressão-volume estáticas e pode resumir-se na seguinte equação:
C (L/cm2 de H2O) = ∆Vpulmonar/ ∆ Ptranspulmonar
A pressão transpulmonar (Ptranspulmonar) é a diferença entre
a pressão, a nível alveolar, e a pressão no espaço pleural.
Do que ficou dito, deduz-se que a complacência é o inverso
da elastância:
E = 1/C
As complacências e elastâncias são sempre valores positivos,
porque a variação dos volumes e pressões, a nível pulmonar, processam-se no
mesmo sentido.
Ventilação
A ventilação do pulmão normal não é uniforme e isto deve-se,
sobretudo, à gravidade. Quanto maior for a massa de pulmão que de ser
suportada, menor a pressão pleural (mais negativa) e maior a pressão estática
transpulmonar (Ptranspulmonar = Palveolar – Ppleural).
Assim, os alvéolos das porções superiores estão mais
expandidos. Para melhor compreensão, imagine-se o pulmão como uma estrutura em
que os segmentos inferiores estão suspensos dos superiores. As forças, assim
geradas, transmitem-se pelo espaço pleural, fazendo com que a tracção pleural
nos segmentos superiores seja maior.
Para o volume corrente, as diferenças encontradas não são
muito significativas. Mas, mesmo assim, as porções inferiores do pulmão tendem
a ser mais ventiladas, dado que o volume tele-expiratório é menor e a
complacência é ligeiramente maior que nos ápices, ou seja, os alvéolos das
porções inferiores têm sempre um menor diâmetro, mas sofrem maior variação a
cada excursão respiratória. Quando o indivíduo deixa de estar em ortostatismo,
este efeito é menor. No decúbito, a pressão abdominal empurra o diafragma para
cima, o que afecta o volume residual de todas as unidades respiratórias, especialmente
as que se localizam proximamente ao diafragma.
A não-uniformidade da ventilação também pode ser local
(independente da gravidade), ao nível das unidades respiratórias terminais. Um
tal facto deve-se à variação da resistência da via aérea (R) ou da compliance
(C) e exprime-se pela constante de tempo (τ = R x C). Uma constante de tempo
mais longa significa uma ventilação mais lenta. Logo, uma unidade com
resistência aumentada e/ou maior compliance vai levar mais tempo a ser
preenchida, quando os outros factores são constantes.
Relação
Ventilação/Perfusão
Num pulmão ideal, a relação ventilação/perfusão (V/Q) de
cada unidade seria constante e igual a 1. Porém, nem mesmo os indivíduos
saudáveis têm pulmões ideais, razão pela qual a pressão parcial de oxigénio
arterial sistémica oscila entre os 85 e 100mmHg. Num pulmão normal, o sangue que regressa à
aurícula esquerda tem uma PO2 inferior à alveolar. Por exemplo, a PaO2 pode ser
de 90mmHg e a PAO2 ser 100mmHg. Tais diferenças são consequência das diferentes
relações V/Q e do shunt anatómico direito-esquerdo.
Vimos que a distribuição da ventilação sofre a acção da
gravidade, e que, na posição ortostática, é maior a ventilação dos segmentos
inferiores.
O efeito da gravidade é ainda mais marcado na perfusão,
sendo os segmentos mais inferiores os mais perfundidos.
Se, como sucede normalmente, a ventilação alveolar, em
repouso, for de 4,2L/min e o fluxo pulmonar 5L/min, então a V/Q normal será
4,2/5 = 0,84. Porém, há diferenças desta relação ao longo dos segmentos
pulmonares, sendo esta relação superior nos ápices pulmonares. No exercício
físico, esta relação aumenta. Por exemplo, no exercício máximo, a ventilação
pode aumentar para 26L/min e a perfusão para 15L/min, aumentando a V/Q para
1,7.
Quando a ventilação de um dado segmento está diminuída
relativamente à perfusão, a PAO2 (alveolar) diminui (porque chega menos O2 ao
alvéolo para que se dêem as trocas) e a PACO2 aumenta (porque há menos CO2 que
é expirado) Se, por outro lado, a perfusão estiver reduzida relativamente à
ventilação, a PACO2 diminui (porque há menos CO2 que sofre troca para o
alvéolo) e a PAO2 aumenta (porque passa menos para o capilar).
O desequilíbrio das relações V/Q é das causas mais comuns de
ineficiência das trocas respiratórias. Este exprime-se, geralmente, pelo seu
efeito sobre a PaO2 que, em circunstâncias normais, não deve diferir mais que 10 a 15mmHg da PAO2. Para uma
V/Q de 0,84, teremos uma PaO2 de cerca de 100mmHg e uma PaCO2 de cerca de
40mmHg. Quando um trombo oclui um ramo
da artéria pulmonar (tromboembolismo pulmonar), o fluxo é redistribuído e ficam
áreas do pulmão que são ventiladas, mas não são perfundidas. Assim, a
eficiência da respiração diminui. A V/Q, para a área que não é perfundida, será
infinita (V/0) e será menor para a área de redistribuição de fluxo (porque
aumenta o denominador da fracção- a perfusão). Isto leva a um aumento da PaCO2
(hipercapnia) e a uma diminuição da PaO2 (hipoxemia). Felizmente, nestas
situações são activados mecanismos compensatórios que tendem a desviar a
ventilação para as áreas perfundidas (aumenta o espaço morto).
Por oposição, pode haver situações em que não haja
ventilação mas se mantenha a perfusão (por exemplo: atelectasia, pneumonia,
edema pulmonar). A relação V/Q será zero (0/Q) e as pressões parciais, nas
veias pulmonares que deixam esse segmento, aumentarão no caso do CO2 e
diminuirão no caso do O2. No restante pulmão, a relação V/Q será superior
(aumenta o numerador). Porém, como veremos, a curva de equilíbrio, ou
dissociação, O2-hemoglobina é plana para valores de PaO2 superiores a cerca de
70mmHg. Resulta daqui que o aumento de fluxo sanguíneo, através dos segmentos
ventilados, não consegue compensar a queda de PaO2 que se verifica na porção
não ventilada e que constitui uma situação de shunt.
As situações expostas representam dois extremos de
desequilíbrio da relação V/Q. Entre estes encontram-se numerosas situações. O
valor médio da relação V/Q é de 0,84. Qualquer desvio afecta a eficiência das
trocas gasosas.
Do que dissemos, facilmente se depreende que, mesmo no
pulmão normal, a relação V/Q varia entre o ápice e as bases. Assim, o sangue
que deixa os segmentos inferiores é menos oxigenado que o dos superiores. A
razão para esta diferença prende-se com o facto do aumento de fluxo nas bases
ser proporcionalmente maior que o aumento de ventilação.
Qualquer desequilíbrio da relação V/Q resultará numa
diminuição do PaO2 visto que a curva de
equilíbrio da Hb é plana para valores de PaO2 superiores a 70mmHg.
O organismo dispõe,
contudo, de mecanismos compensatórios que aliviam as consequências destes
desequilíbrios. Existem mecanismos centrais e locais. Quando há um aumento da
PaCO2, desperta-se um reflexo (mediado centralmente) que aumenta a ventilação.
Mais importantes são os mecanismos locais. Quando há redução do fluxo sanguíneo
para uma unidade respiratória, o metabolismos das células alveolares altera-se,
designadamente, há uma diminuição da produção e da libertação de surfactante, o
que aumenta a tensão de superfície alveolar. Este aumento da tensão da
interface ar-líquido diminui a complacência da unidade respiratória e a sua
capacidade residual funcional. Este mecanismo desenvolve-se lentamente. Quando
há ventilação sem perfusão, a PCO2 local diminui, aumentando o pH do meio
envolvente do músculo liso associado às vias aéreas. Isto leva à constrição das
vias e desvio da ventilação das unidades respiratórias não perfundidas (elevada
V/Q) para as unidades perfundidas. No caso de hipoventilação de unidades
respiratórias, a capacidade compensatória da vasoconstrição hipóxica depende da
fracção de massa pulmonar afectada pela vasoconstrição. Quando é menor que 20%,
o desvio de fluxo é eficaz, pois não há aumento da pressão arterial pulmonar.
Se esta for superior
a 20%, há um aumento da pressão arterial pulmonar. Esta melhora a distribuição
da relação V/Q, visto que tende a normalizar as assimetrias causadas pelo
efeito da gravidade, mas não contribui para uma maior eficácia das trocas
respiratórias.
TRANSPORTE E DIFUSÃO DOS GASES RESPIRATÓRIOS
Os dois passos críticos na passagem dos gases de e para as
células são:
• passagem do O2 para o eritrócito através da barreira
alveolocapilar;
• passagem O2 dos capilares sistêmicos para as mitocôndrias
a nível dos tecidos periféricos. Para o
CO2, aplicam-se os mesmos passos, com movimento inverso.
Estes fenômenos processam-se por difusão. A difusão é um
processo passivo que decorre em função de gradientes, de concentrações ou
pressões parciais, e depende dos movimentos termodinâmicos das moléculas.
Entre estes dois passos interpõe-se o transporte de gases no
sangue.
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